domingo, 12 de agosto de 2012
AS COLMEIAS DO REGUEIRO
O verão em Boimo, nos meados dos anos sessenta, foi, sem margem para duvida, a estação do ano que mais marcou os anos da minha adolescência. Boimo é uma pequena aldeia inserida no conselho de Arcos de Valdevêz, no rodapé da serra da Penêda-Gerês, cuja população tem vindo a decrescer desde 1960. Em 1850 habitavam neste conselho cerca de 26000 pessoas, 110 anos mais tarde, em 1960, a população atingiu 39000, hoje em dia vivem por lá cerca de 25000 habitantes. Felizmente eu nasci no cume da população, por isso as actividades locais eram abundantes, alegres, frequentes e muito concorridas. Os caminhos, ou ruas, como lhe queiram chamar, de enormes pedras de granito, construídos pelos romanos durante a sua ocupação local, ainda se encontram em boas condições transitáveis, embora que agora já com bastantes ervas e tojos que através dos anos foram tomando raiz, perante a diminuição das pegadas de humanos e animais domésticos. Nos meus tempos de criança, nem sequer uma lamina de erva crescia nestes caminhos, tantos eram os pequenos pés que pisavam estas calçadas dia após dia, as pedras davam aparência de serem polidas diariamente. Nos dias úteis, cerca de quarenta crianças, rapazes e raparigas, enchiam o ar com os seus gritos de brincadeira rumo á escola primaria de Portela que se encontrava a cerca de mil e quinhentos metros de distancia. Os terrenos de cultivo embelezavam a paisagem local com a sua distinta arquitectura em tipo de escadaria, com enormes paredes construídas de pedra, para reterem a fértil terra preta onde o milho era o cereal de preferencia ali cultivado, talvez pelo clima um pouco mais frio que se fazia sentir durante o inverno. Embora que considerada pobre, esta terra para mim foi uma das maiores riquezas que jamais conheci. Na sua maioria, os residentes desta pequena aldeia viviam numa harmonia incomparável, as famílias mais abastadas, quando faziam a matança de porco, repartiam a carne com as famílias mais carenciadas, feito hoje em dia difícil de se encontrar, se não até mesmo impossível. Rodeada por montanhas verdes, ricas em vegetação e aguas cristalinas a jorrar nas suas nascentes a pequena aldeia custeava uma vasta dimensão territorial onde centenas de ovelhas, cabras e vacas, que faziam parte da alimentação dos locais, pastavam sobre o olhar vigilante do pastor que tinha que se manter bem alerta. Mas como todos os cuidados som poucos, de vez-em-quando os lobos ibéricos pregavam uma das suas partidas. Um bom exemplo que este povo vivia em quase perfeita harmonia, era o facto que o compromisso de ser pastor era compartilhado por toda a aldeia. Cada Boimense, dedicava o seu tempo a ser pastor uma semana completa. Após todos cumprirem a mesma obrigação, então voltaria de novo a sua vez de ser pastor, entretanto, apenas se dedicava a encaminhar os seus rebanhos ao centro da aldeia, onde o pastor de serviço nessa semana, encaminhava o rebanhos montanha acima, onde pastavam até ao por do sol. Por incrível que pareça, ao cair da tarde, ás vezes já com as estrelas á espreita na galáxia, como comandados através de controle de remoto, os animais regressavam aos seus próprios celeiros sem qualquer intervenção humana. Nas encostas da montanha, nos caminhos entre os campos de cultivo, ou em qualquer muro, era fácil encontrar frutos silvestres para nos deliciar a paleta. Desde pinheiros mansos, com os seus pinhões de enorme dimensão, estes não eram exactamente a nossa preferencia, derivado ao grau de dificuldade em partir a casca dos pinhões. Mais para a encosta da montanha havia pêras bravas, mais conhecidas localmente por pericos, amoras, essas cresciam por qualquer canto, com as mais maduras deliciava-me muitas vezes com uma possa de amoras, confeccionada de amoras, pão de milho desfeito sobre as mesmas e se houvesse, uma ou duas colheres de açúcar amarelo, uma delicia!... Mas havia muitos mais, quem quisesse dar uma caminhada de cerca de 1 km até á floresta do Mezio, encontraria avelãs nas bermas do rio, castanhas na floresta mais densa e arandos vermelhos bem adocicados. Arandos não e o próprio nome deste fruto, mas era como eram conhecidos localmente, o nome ao certo, peço perdão mas não sei. Bailando de pétala em pétala as abelhas labutavam arduamente num vaivém constante a recolher o néctar dos deuses. No Outono durante a colheita do mel, perto da fonte dos castanheiros, o Regueiro passava longas horas a defumar os enxames e extrair os favos de cera carregados desse liquido doce cor de ouro-cobre. As latadas de videiras de vinho verde que sobressaíam das pequenas parcelas de terreno e trepando se entre-laçavam nos arames usados para suporte das uvas, tapavam quase todos os caminhos da aldeia como um toldo a proteger as pedras das calçadas. Os terrenos do Regueiro eram um pouco mais soalheiros, a parte Sul, mais protegida do vento sustentava varias laranjeiras, esta fruta não era habitualmente encontrada nestas redondezas, derivado as condições climatéricas mais desfavoráveis desta zona. Na parte norte existiam cerca de uma dúzia de colmeias construídas de madeira e cortiça. A generosidade do povo desta aldeia era transmitida pela vasta maioria dos seus habitantes, e o Regueiro não era excepção á regra. Mantenho vivas belas recordações das vezes que passava cerca das colmeias quando o Regueiro extraía o mel e sempre me oferecia um favo, ainda com algumas abelhas a completar os seus depósitos de néctar das flores. Depois de cautelosamente remover as abelhas, mastigava o favo de mel durante vários minutos até extrair todo o mel e restasse apenas uma bola de cera.
Já em anos mais recentes, visitei a minha pequena aldeia para matar saudades, trilhar os caminhos de pedras imensas de granito,construídos durante a invasão romana e tentar mentalmente reviver alguns tempos da minha linda infância.
É claro que nem mesmo esta pequena aldeia, qual população tem vindo a diminuir através das décadas, conseguiu escapar á evolução mundial, mais sentida nos países pobres que passaram a integrar a união europeia, e com isso beneficiar de todas as amenidades e tecnologias do mundo moderno, pelo menos na opinião de alguns!... Hoje, parte dos caminhos romanos estão vestido de alcatrão para dar acesso a automóveis, e a casa do regueiro, embora ainda exista, foi renovada e o terreno que envergava as colmeias
arrasado, para facilitar o alargamento da estrada que dá acesso ao centro da aldeia.
O Regueiro já á muitos anos que nos deixou, as abelhas, embora que agora já não domesticadas, ainda por ali andam na sua labuta diária, a polinizar e retrair néctar da vasta variedades de flores que adornam as paisagens do alto Minho. A mim, infelizmente me resta as memórias e saudades das colmeias do Regueiro.
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