A imoralidade da mentira não consiste na violação da sacrossanta verdade. Ao fim e ao cabo, tem direito a invocá-la uma sociedade que induz os seus membros compulsivos a falar com franqueza para, logo a seguir, tanto mais seguramente os poder surpreender. À universal verdade não convém permanecer na verdade particular, que imediatamente transforma na sua contrária. Apesar de tudo, à mentira é inerente algo repugnante cuja consciência submete alguém ao açoite do antigo látego, mas que ao mesmo tempo diz algo acerca do carcereiro. O erro reside na excessiva sinceridade. Quem mente envergonha-se, porque em cada mentira deve experimentar o indigno da organização do mundo, que o obriga a mentir, se ele quiser viver, e ainda lhe canta: "Age sempre com lealdade e rectidão".
Tal vergonha rouba a força às mentiras dos mais subtilmente
organizados. Elas confundem; por isso, a mentira só no outro se torna
imoralidade como tal. Toma este por estúpido e serve de expressão à
irresponsabilidade. Entre os insidiosos práticos de hoje, a mentira já há muito
perdeu a sua honrosa função de enganar acerca do real. Ninguém acredita em
ninguém, todos sabem a resposta. Mente-se só para dar a entender ao outro que a
alguém nada nele importa, que dele não se necessita, que lhe é indiferente o
que ele pensa acerca de alguém. A mentira, que foi outrora um meio liberal de
comunicação, transformou-se hoje numa das técnicas da insolência, graças à qual
cada indivíduo estende à sua volta a frieza, e sob cuja protecção pode
prosperar.
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